Um blog de Rui Baptista

domingo, abril 25, 2004

Uma ilha partida ao meio


Nicósia é, como Berlim foi outrora, uma cidade dividida. Mas a capital de Chipre não tem um muro tão demarcado como a capital alemã tinha. O aspecto das ruas de Nicósia (Lefkosa, em turco) não deixa adivinhar imediatamente que esta cidade está partida a meio. Uma parte é controlada pela comunidade cipriota grega — República do Chipre (RC), cujo Governo é reconhecido pela comunidade internacional como o único de toda a ilha; a outra é controlada pela comunidade cipriota turca — República Turca do Norte do Chipre (RTNC), que não é reconhecida por ninguém excepto pela Turquia.
Mas há zonas de Nicósia em que a separação entre cipriotas turcos e gregos é óbvia. Pelo meio da cidade (que serve de capital tanto à República do Chipre como à RTNC) passa uma “linha verde” de 180 quilómetros quadrados, que atravessa a ilha a meio e é patrulhada por 1200 soldados da ONU.
O quartel-general da força das Nações Unidas é um hotel abandonado no meio da “terra de ninguém” em Nicósia. Antes da divisão da ilha, em 1974, este era o hotel mais luxuoso de Chipre; hoje, está em ruínas. Nas varandas dos seus quartos estão pendurados estendais com a roupa lavada dos capacetes azuis.
Este é o “monumento” mais marcante da “linha verde”; no resto de Nicósia, ela está mais disfarçada. Aparece de repente quando ao virar uma esquina se dá com um beco sem saída bloqueado por um “checkpoint” militar, um muro de tijolos, uma cerca de arame farpado ou pura e simplesmente um monte de escombros. É permitido aos turistas atravessar do lado cipriota grego para o lado cipriota turco, com um passe especial que só dura até ao pôr do sol. Atravessar no sentido contrário é proíbido.
Quem está do lado cipriota turco vê de perto os cipriotas gregos: às vezes, a “linha verde” não tem mais de três ou quatro metros de largura. Os cipriotas gregos gostam de provocar o outro lado do muro: são bem visíveis bandeiras da República de Chipre ou da Grécia, viradas para o lado turco.
Os cipriotas turcos, claro, fazem a mesma coisa. Há por todo o lado bandeiras da RTNC e da Turquia. Aliás, eles gabam-se de ter “a maior bandeira do mundo”, pintada na face de uma montanha, ostensivamente voltada para o lado Sul da ilha. É nessa montanha que fica a “floresta Ataturk”, meia dúzia de árvores com um aspecto desolado.
Há muitas coisas chamadas Ataturk na RTNC. Ataturk é um indivíduo que ficou conhecido nas décadas de 20 e 30 pelos seus fatos elegantes e por ter fundado a Turquia moderna. É também ele que aparece em todas as notas — a RTNC não tem moeda própria, e usa a lira turca. A moeda é a face mais visível da influência da Turquia, mas não a única.



posted by Rui Baptista at 3:29:00 da manhã

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