Um blog de Rui Baptista

domingo, setembro 12, 2004

O tal Canal

O Panamá é o país ideal para ver navios. O Canal do Panamá, que liga o oceano Atlântico ao Pacífico através de um engenhoso sistema de comportas, é uma das principais fontes de rendimento do país e uma atracção fortíssima para os turistas. Todos os dias é atravessado por navios cargueiros de grande porte, sob o olhar atento de centenas de pessoas, armadas com câmaras de vídeo e máquinas fotográficas. O espectáculo pouco tem de emocionante, mas constitui passagem obrigatória para quem visita o Panamá.
Os panamianos são muito ciososo do seu Canal, o que não surpreende se pensarmos que o destino do país esteve (e continua a estar, embora agora menos) dependente do êxito comercial da travessia. Milhares de homens morreram para que o Panama Canal fosse construído, e em seu nome houve levantamentos populares, tentativas de golpes de Estado e crises políticas graves.


Nas últimas décadas os panamianos encararam o Canal como símbolo máximo da sua soberania, e só se consideraram verdadeiramente independentes e senhores do seu destino quando os americanos lhes entregaram a gestão do Canal, em 31 de Dezembro de 1999. Nesse dia começou uma festa que ainda hoje dura nas ruas de Panama City, onde são frequentes manifestações espontâneas de orgulho nacional, assinaladas com os habituais disparos para o ar. Um costume que espanta os turistas, mas que nada tem de agressivo, embora seja relativamente perigoso.
O Canal começou a ser construído ainda durante a ocupação colombiana, em 1881, pelo francês Ferdinand Lesseps, e desde o primeiro minuto revelou-se um tarefa descomunal. Nada menos do que 22 mil homens morreram nesta fase, vítimas de malária e febre amarela. A companhia de Lesseps foi à falência em 1889, e o sonho do Canal só seria retomado já depois de o Panamá se ter tornado independente da Colômbia, em 1903, com a ajuda dos Estados Unidos da América (EUA). No ano seguinte as obras recomeçaram sob a direcção do coronel George Washington. A vacinação massiva dos trabalhadores preveniu os surtos de febre amarela, mas mesmo assim morreram dezenas de milhares de pessoas vítimas de malária, deslizamentos de terras e outros acidentes. Em 15 de Agosto de 1914 o Canal foi, finalmente, inaugurado.
A contestação ao tratado entre o Panamá e os EUA, que estendia a sobreania americana sobre o Canal a uma zona de oito quilómetros a contar a partir de cada margem, começou imediatamente e durou até 1999. Houve diversos levantamentos populares, alguns reprimidos pelos governos locais, outros pelos americanos, que tinham na zona um forte contigente militar. O passo fundamental para a devolução ocorreu em 1977, quando o general Omar Torrijos conseguiu que o presidente Carter se comprometesse a devolver o Canal ao Panamá no último dia de 1999. O escritor inglês Graham Greene seguiu de perto as negociações e escreveu mesmo um livro que é uma das referências sobre este período da história panamiana ("O meu amigo general", 1984, Editora Tricontinental).
Visitar o Canal é hoje muito fácil. A maior parte dos hotéis oferece viagens a diversos pontos de observação, é possivel navegar no Canal e até sobrevoá-lo de helicoptero, como fez António Guterres durante a última cimeira ibero-americana de Chefes de Estado e do Governo, que decorreu em Panama City. Mas, para se ter uma ideia das dificuldades encontradas pelos construtores, nada melhor que mergulhar na selva, e ver como a Natureza recuperou já muitas das áreas conquistadas com suor e sangue pelos homens.

posted by Rui Baptista at 2:54:00 da manhã

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