Um blog de Rui Baptista

domingo, setembro 12, 2004

Panamá, o segredo das Américas



O Panamá é um dos mais bem preservados santuários ecológicos do mundo, mas, para muita gente, o país continua a ser visto como um mero entreposto comercial entre o Atlântico e o Pacífico, uma terra de transição entre oceanos e sub-continentes. Do Panamá conhece-se (mal) o famoso canal que corta o país ao meio, e guardam-se na memória alguns episódios da época em que era governado pelo general Manuel Noriega, que hoje envelhece numa prisão norte-americana, condenado por tráfico de drogas.
O filme de John Boorman "O Alfaiate do Panamá", inspirado no romance de John Le Carré, veio, de alguma forma, contribuir para reforçar a imagem de um país incipiente, a cujo povo parece estar reservado somente um papel secundário na risível disputa entre as principais potências económicas do mundo. O retrato é cruel e manifestamente injusto, mas diz bem da maneira paternalista como os ocidentais (em especial os americanos, que sempre consideraram o país como o seu "backyard") olharam durante muito tempo para o Panamá.
Questões políticas à parte, o Panamá é hoje uma nação orgulhosa da sua independência, celebrada em milhares de bandeiras nacionais espalhadas por todo o território, e com uma enorme confiança no futuro. Resolvida a questão da jurisdição sobre o canal do Panamá, que passou para as mãos dos panamianos em 31 de Dezembro de 1999, o país começa, finalmente, a mostrar ao mundo os seus tesouros. Que são muitos e inegavelmente preciosos, a começar por um povo festivamente crioulo, que acolhe os visitantes com uma simpatia desarmante.

Com uma área de apenas 800 km2, o Panamá possui nada menos do que 1518 ilhas, semeadas no Oceano Pacífico e no cálido mar das Caraíbas. Com os dois oceanos separados por apenas uma hora de carro, é fácil mergulhar de manhã no Pacífico e terminar o dia com umas braçadas no Atlântico. O país (que no dialecto de uma das sete tribos de índios espalhadas pelo território quer dizer "abundância de peixe") oferece alguns dos melhores locais do mundo para a prática de mergulho e pesca submarina. A Ilha de Coiba, por exemplo, (que é simultanemente um Parque Nacional e uma colónia penal) é um paraíso para os mergulhadores, com as suas praias de mangueirais e coqueiros bordadas com recifes. E a praia de Santa Catalina, na província de Veraguas, faz as delícias dos surfistas com ondas de cinco metros.
Por estes dias, a maior dificuldade para os visitantes é escolher um itinerário, tantas são as ofertas. A indefinição vivida pelo país nas últimas décadas teve, pelo menos, o mérito de manter afastadas as hordas de turistas, que todos os dias desembarcam na vizinha Costa Rica. Um ditado local diz que na Costa Rica cada pássaro é observado por 20 turistas, enquanto cada turista no Panamá pode observar 20 pássaros. O que é certo é que o Panamá tem mais espécies de pássaros do que os Estados Unidos da América e o Canadá combinados: precisamente 934, segundo as últimas contagens dos ornitólogos. E na tranquila cidade de Santa Fé, mergulhada na densa selva tropical (berço do general Omar Torrijos, que negociou com Jimmy Carter a devolução do Canal ao Panamá, em 1977) podem ser admiradas a maior e a mais pequena espécie de orquídeas do mundo.

Por pressão das tribos índias, o governo panamiano criou nos últimos anos nada menos do que 12 parques nacionais e 20 áreas protegidas. Verdadeiros santuários ecológicos, ocupam quase 80 por cento da área total do país e alguns deles começam a menos de 20 quilómetros do centro da capital, Panama City. Quem se fizer à estrada que liga a capital a Colón, no mar das Caraíbas, corre o sério risco de deparar com macacos, jaguares e pumas, que são espécies protegidas e adoradas pelos índios, para além dos inevitáveis crocodilos, que adoram passear-se pelo asfalto. E quem tiver a sorte de percorrer de barco o canal (circuitos turísticos são vendidos nos principais hotéis da capital) vai atravessar zonas de floresta luxuriante, intensa, ameaçadora, que parece pronta a recuperar o que o Homem conquistou com a perda de milhares de vidas.

Todos os dias nascem no Panamá novas estâncias turísticas, em sítios improváveis. Nas ilhas de San Blas, por exemplo, os índios Kuna gerem um aldeamento de palhotas integradas na comunidade. E na fronteira com a Costa Rica, em pleno Parque Nacional Amistad (gerido de forma partilhada pelos dois países) existem cabanas de montanha para alugar, escondidas na selva, e ideais para observar os famosos pássaros "quetzal". O mais surpreendente é que existe no meio da selva uma padaria, que todos os dias fornece aos turistas pão fresco e "pizzas" fumegantes...
Quem não gostar de selva, vida selvagem ou praias de águas cálidas, pode sempre optar por visitar as marcas deixadas no Panamá pelos sucessivos ocupantes. A pensínsula de Azuero, no centro do país, parece um pedaço de Espanha arrancado à Pensínsula Ibérica e lançado ao Pacífico. Por todo o lado existem fortes militares, marcando a rota percorrida pelo ouro vindo do Perú, lado a lado com aldeias índias cuja história remonta a milhares de anos . E vestígios da ocupação colombiana podem ser encontrados nas principais cidades, em especial na zona velha de Panama City.

O Panamá é um segredo à espera de ser descoberto. Com condições naturais extraordinárias, o país permanece como um destino pouco procurado pelos turistas europeus, sendo praticamente ignorado pelos viajantes portugueses. Do Panamá ouve-se falar do famoso Canal que liga os oceanos Atlântico e Pacífico e pouco mais. Está na hora de corrigir essa injustiça e desvendar os tesouros do chamado "coração das Américas".
O país é relativamente pequeno, mas alberga algumas preciosidades, a começar por uma enorme mancha florestal que só encontra comparação na vizinha Costa Rica. Embora Cidade de Panamá, a capital, esteja descaracterizada pela construção de arranha-céus de gosto duvidoso, o chamado Casco Viejo mantém viva a tradicional arquitectura colonial espanhola. Existem nesta área prédios lindíssimos, como o Teatro Nacional, e outros em que apetece morar, como a casa florida e fresca do actor e cantor panamiano Rubén Blades. A bela Praça de França, junto ao prédio da embaixada francesa, justifica por si só uma ida até ao Casco Viejo, onde bordéis e bares manhosos coabitam com restaurantes de luxo e salas de espectáculos. O ar cheira a uma estranha mistura de baunilha e maresia, e à noite os sons escaldantes de salsas, cumbias, bachatas e boleros escapam-se das portas mal fechadas dos bares. Cangrejo, com os seus restaurantes, casinos e e lojas de artesanato é outra área da Cidade do Panamá que merece uma visita.
Mas os melhores tesouros do Panamá estão fora da capital, embora a uma distância relativamente curta. Basta, por exemplo, seguir pela margem do Canal na direcção de Cólon, e depois tomar a estrada que atravessa o Parque Nacional Soberania. Ali, a meia hora de Cidade do Panamá, vivem 525 espécies de pássaros e 105 espécies de mamíferos, incluindo o esquivo jaguar. A estrada nacional que atravessa o parque, ligando Cidade do Panamá e Cólon, é lindíssima, serpenteando através de árvores de grande porte e de mata cerrada. Um desvio à direita, a meio-caminho, permite chegar a Canopy Tower, um posto de observação de vida selvagem instalado na torre de um antigo radar norte-americano. Mais à frente, junto ao rio Chagres, que alimenta o Canal, ergue-se o majestoso Hotel Gamboa. Dali pode partir-se em expedição de piroga até aos índios Emberá.

Depois de Cólon, a segunda cidade do Panamá, surge finalmente o oceano Atlântico. A costa, recortada por centenas de enseadas e baías naturais, estende-se até à cidade histórica de Portobelo, onde ainda são visíveis as ruínas dos fortes construídos pelos espanhóis para defenderem aquele quer era considerado o melhor porto de mar das Américas (um dos fortes foi desmontado pelos norte-americanos, que usaram as pedras para construir uma protecção para a embocadura do Canal). Os coqueiros e as mangueiras avançam pelas praias até às águas cálidas das Caraíbas, e pequenos restaurantes, sóbrios mas muito baratos, escondem-se nas curvas das estradas. Há pouca gente em Portobelo, e por isso pode-se andar por largos períodos sem ver ninguém. Ali chove todos os dias, mesmo durante a estação seca, mas a água é morna e transforma-se em vapor mal toca na terra quente, deixando toda a zona mergulhada numa névoa misteriosa.
Sempre com a Cidade de Panamá como referência, pode optar-se antes por uma incursão a sul, pela costa do Pacífico. Existem poucas dezenas de quilómetros de auto-estrada à volta da capital, por isso o melhor é tomar a estrada nacional para Coronado, que passa ao largo da península de Punta Chame. Entre Coronado e Penomé, capital da província de Coclé, situa-se o melhor conjunto de praias do Pacífico, numa zona conhecida como Costa Blanca devido à brancura das suas areias (a maior parte das praias do Pacífico são de areia negra). Esta zona tem um micro-clima que lhe permite ter sol todo o ano. As temperaturas são normalmente muito elevadas, mas quem se der mal com o calor pode sempre refugiar-se em Valle de Anton, a 40 minutos de distância, ou em Valle Esperanza, a meia-hora de Penonomé. Ali está-se em plena "rainforest", sendo possível fazer caminhadas através de um bosque tropical chuvoso, ou deslizar sobre as copas das árvores, sentado numa cadeira presa a um cabo de aço. A experiência é inesquecível.

(Hotel Gamboa Resort)
Obviamente que ninguém pode ter a ambição de descobrir todo o Panamá em apenas uma ou mesmo duas viagens. Fora deste roteiro ficam lugares espantosos como o arquipélago de Bocas del Toro, a Costa do Mosquito ou o Parque Nacional Amistad, cuja gestão é partilhada com a Costa Rica. Mas os textos que se seguem podem servir como orientação para quem esteja disponível para conhecer este pequeno país, que vale bem a pena descobrir.
posted by Rui Baptista at 2:58:00 da manhã

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